domingo, 17 de agosto de 2008

O Vaticano e a Ponte

O Vaticano
Inaugurou, ontem em Tavira, com uma festa animada O Vaticano, nada mais nada menos que as novas instalações do colectivo de artistas — mais de 20 — A Ponte. No ano da morte de Bartolomeu dos Santos, Tavira e as artes voltam a alinhar, como numa colagem de elementos disparos e politicamente carregados, onde a união plástica destes elementos promete novos e alargados horizontes de fruição estética. Até o raro eclipse da lua cheia da noite de inauguração parece indicar uma nova luz; quem? quando? porque? como? Para estas e outros perguntas, olhos na Ponte...
Segue-se o texto de apresentação patente no site da A Ponte, bilingue, onde se podem visionar portfólios de vários artistas e acompanhar as actividades do colectivo. MP

A Ponte, grupo de artistas, constitui-se como uma equipa de pessoas criativas, que sem perderem a sua individualidade, se propõem encorajar e promover oportunidades para outros artistas, quaisquer que sejam as vertentes do seu trabalho e os meios que usem para as expressar. Dentro deste panorama o nosso objectvo é proporcionar o desenvolvimento pessoal e criativo de cada um, criando para tal uma base segura de inter-relações e inter-reacções,e a troca de ideias e conceitos, motivando e consolidando as aspirações pessoais, dentro da dinâmica do grupo.
Dada a nossa politíca de porta aberta, serão bem vindos ao grupo todos os artistas que trabalhem nas várias áreas artí sticas, e tendo embora o objectivo de manter um elevado padrão de qualidade não serão excluídos todos aqueles que quiserem desenvolver as suas capacidades e níveis de competência. O grupo A PONTE esforçar-se-á por procurar e estabelecer eventos individuais ou coletivos para exibição de trabalhos e/ou performances e por poder proporcionar as condições apropriadas para aqueles com recursos limitados.
A nossa website providencia informações sobre as actividades do grupo, bem como um calendário das exposições e eventos. Dispõe também, naturalmente, de informações biográficas sobre os artistas que integram o grupo e exemplares do seu trabalho e dos projectos que desenvolvem. Este site tem ainda o seu próprio blog, convidando à expressão livre, à escrita criativa, à poesia e aos comentários. O grupo está empenhado em expandir este site, que vê como um documento vivo, incluindo-se nele também informação sobre outros eventos culturais e artísticos locais, para o que este está em constante actualização.
Visto ser recém formado, presentemente o grupo não recebe qualquer apoio financeiro mas, e tendo em vista os nossos objectivos, estamos apostados em procurar o apoio de mecenas culturais para o que consideramos ser um projecto que trará a Tavira uma mais valia na área do seu desenvolvimento cultural. Com o conhecimento e experiência colectiva dos vários participantes antevemos, como resultado positivo, conseguir vir a dar um expressivo passo nessa direcção.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Bartolomeu XXI - texto do catálogo

TOO LATE
Estávamos em Outubro quando se lhe apresentou o convite.
A ideia era produzir uma alargada mostra de obras realizadas neste século em Tavira, com diferentes suportes, na sua maior parte ainda inéditas.
A proposta foi acolhida com o calor habitual. A única condição que então nos colocou foi a escolha do comissário, o seu velho amigo e colega da Slade o escultor John Aiken que uma vez consultado de imediato aceitou o encargo.
O projecto Bartolomeu XXI começou logo então a ganhar forma.
Novos trabalhos foram sendo concebidos, outros finalizados e alguns outros profundamente alterados.
Sem descanso, logo que chegava a Tavira trabalhava com grande empenho, pela noite fora. Era com entusiasmo que nos ia mostrando as novas obras e dando delicadamente indicações de como gostaria de ver organizada a exposição, concebido e difundido o catalogo.
Com a declaração da doença o ritmo não abrandou empregando-se com redobrado afinco à medida que as idas a Londres se tornavam mais frequentes Entre as suas ultimas obras encontram-se, surpreendentemente, quatro auto retratos a “ponta seca”, como se procurasse deixar para a eternidade gravado no cobre que tão bem dominou a sua derradeira imagem.
Sem nunca o ter verbalizado, revelando grande coragem e dignidade estava seguramente consciente de que o seu tempo se aproximava inexoravelmente do fim e que organizava metodicamente a sua primeira exposição póstuma.
Após 21 de Maio nada ficou igual.
Desaparecido o Homem havia que levar a bom termo a tarefa respeitando o projecto inicial.
Com John Aiken no comando, ouvidos os que o acompanharam nos últimos meses , Miguel, Valter, Manuel Augusto, Fernanda, procuramos concretizar seus desejos como se ainda fosse possível partilharmos uma ultima festa.
Demasiado tarde.

Tavira, Julho de 2008

José Delgado Martins

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Cerimónia em homenagem a Bartolomeu dos Santos

O artista mistura-se para sempre com as águas do rio Gilão

Obras inéditas realizadas em Tavira podem ser vistas na Casa das Artes
No dia 2 de Agosto Tavira despede-se e integra Bartolomeu dos Santos para sempre nos seus elementos. Respeitando o desejo do artista plástico que marcou os caminhos da gravura, as suas cinzas irão ser atiradas ao Rio Gilão.
Bartolomeu Cid dos Santos nasceu em Lisboa no dia 24 de Agosto de 1931, estudou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, continuou os estudos com Anthony Gross, na Slade School of Fine Art em Londres, onde veio a leccionar no Departamento de Gravura. Foi professor visitante na Universidade de Winsconsin, National College of Art em Lahore, Umea Konstskolan na Suécia, na Academia das Artes em Macau e Professor Emeritus da Universidade de Londres. Foi ainda membro da Royal Society of PainterPrintmakers e Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Realizou mais de 80 exposições individuais na Europa, Estados Unidos, Brasil e Extremo Oriente. É autor de intervenções de arte pública em cidades de vários países.
Em Tavira, cumpriu o serviço militar e ficou apaixonado pela cidade. Mais tarde aqui criou um Centro/ Atelier de Gravura com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Associação da Casa das Artes. Realizou nesta cidade, entre outros, um workshop internacional integrado no programa Caleidoscópio.
Foi membro da Comissão Municipal de Arte da Câmara de Tavira e recebeu a Medalha de Mérito Municipal. Doou grande parte do seu espólio a esta cidade para que seja criado um Centro de Desenho e Gravura. Nos últimos anos a sua vida decorria entre Londres, Sintra e Tavira.
Faleceu no dia 21 de Maio do corrente ano na sua casa em Londres, cidade onde o seu corpo foi cremado. De acordo com o seu desejo, as suas cinzas serão lançadas ao rio Gilão no próximo sábado.
A cerimónia inicia-se às 11 horas no Salão Nobre dos Paços do Concelho onde lhe será prestada uma última homenagem. Espera-se que do grande universo de amigos do artista, muitos venham partilhar este instante que marca uma espécie de adeus, impregnado dessa vida que Bartolomeu dos Santos tão natural e espontaneamente semeava nos seus ensinamentos, na sua obra e nas mentes e corações dos que com ele tiveram o privilégio de partilhar ideias.
Pelas 17 e 50, irá acontecer música de cravo interpretada por Luís Conceição precedendo a saída das cinzas dos Paços do Concelho em direcção à Ponte Romana. Aí, vão ser proferidas algumas palavras por José Delgado Martins, Macário Correia e Filipa dos Santos, filha do artista.
A seguir terá lugar o lançamento das cinzas ao rio Gilão. A sua ligação indissolúvel à terra que escolheu. Unir-se, misturar-se com esta cidade no seu elemento mais primordial, que a caracteriza, atravessando-a, dividindo-a, re-ligando-a, indicando-lhe contornos e directrizes. Bartolomeu quis unir-se às águas de Tavira no seu perpétuo movimento que em determinada parte do devir se chamam rio Gilão. “Barto” decidiu ser elas, ir com elas, nelas, e sendo elas, misturar-se nas plenas águas dos oceanos…
Às 18 e 30 será o momento do descerramento de Placa Toponímica "Escadinhas Prof. Bartolomeu Cid dos Santos", as antigas escadinhas do Alto de Santa Ana.
Às 19 horas, na Casa das Artes de Tavira, terá lugar a inauguração da primeira exposição póstuma. Uma mostra de grande parte da obra de Bartolomeu dos Santos, ainda inédita, realizada em Tavira. A programação desta exposição ocorreu em Outubro passado com o contributo de Bartolomeu que convidou John Aiken, director da Slade School of Fine Art de Londres, para a comissariar.
Para mais informações sobre o artista e o evento pode consultar www.acasadasartes.blogspot.com.

Paula Ferro in Postal do Algarve, 2008.07.31

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Bartolomeu dos Santos na Wikipédia

Bartolomeu Cid dos Santos
Bartolomeu Cid dos Santos a trabalhar na Oficina de Tavira. Com Malangatana Ngwenya.
Imagem © Miguel Proença
Foram criadas nas últimas semanas duas entradas acerca do grande mestre na Wikipédia, uma em versão portuguesa em:

Bartolomeu_Cid_dos_Santos, Wikipédia (Português)
Bartolomeu_Cid_dos_Santos, Wikipedia (English)

Esperam-se, para breve, actualizações e contribuições. Para mais informação da exposição em Agosto (2008) em Tavira visitar:

http://acasadasartes.com/Site/Bartolomeu_dos_Santos_Gravura_Pintura_Objectos
 
English version of post ->

Bartolomeu dos Santos on Wikipedia

Bartolomeu dos Santos at work
Bartolomeu dos Santos at work in the Tavira Workshop. With Malangatana. 
Photo © MP
During the last couple of weeks two entries were created about the great print-making master on  Wikipedia, at:

Bartolomeu_Cid_dos_Santos, Wikipédia (Português)
Bartolomeu_Cid_dos_Santos, Wikipedia (English)

More contributions and updates expected soon.  For more info on the 2008 exhibition in Tavira visit:

Bartolomeu_dos_Santos_Gravura_Pintura_Objectos

Versão em Português deste artigo ->

sábado, 26 de julho de 2008

Dois olhares diferentes sobre o Algarve, Postal do Algarve, 2008.07.24

O poético e o crítico completam-se no mesmo lugar: Patrícia Almeida e Catarina Mendes expõem fotografia na Casa das Artes.

A Casa das Artes de Tavira iniciou a época “Verão- 2008” no passado sábado, pelas 22 horas, com a inauguração de duas exposições de fotografia: “Portobello”, de Patrícia Almeida, e “Doce Sal”, de Catarina Mendes. O tema explorado pelas fotógrafas é o Algarve.

“Portobello”, de Patrícia Almeida, debruça-se sobre os não lugares associados ao turismo de massa. Trata-se de uma série de fotografias realizadas no Algarve entre 2005 e 2007. Tal como acontece com nomes como “Acapulco”, “Tahiti” ou “Éden”, “Portobello” procura evocar um imaginário exótico genérico, geralmente associado a uma ideia de natureza virgem e paradisíaca, assim como, às “insígnias luminescentes” de discotecas, bares, hotéis e outros registos das férias no Algarve. O que incentiva Patrícia a este trabalho “começou por esse interesse sobre o que são as férias, esta coisa do tempo morto, um tempo para onde vamos para não fazer nada. Apagar o que está para trás. Sem passado, sem futuro, só para estar, para se viver o presente”, conta a fotógrafa ao POSTAL do ALGARVE.

Patrícia Almeida dá-nos uma ideia clara do que representa o Algarve para muitos turistas: um mundo artificial desligado de uma realidade particular para que seja permitido viver fantasias em segurança. Por outro lado, Patrícia dá também uma visão mordaz e irónica, “quase Parriana”, de uma zona do país e da forma como a reconstrução do espaço, a urbanização, é encarada . “Como se continua a construir desenfreadamente? Como é que ainda há espaço?”, questiona.

Em simultâneo, “Doce Sal”, de Catarina Mendes, explora a magia do sal, a ambivalência que o faz balançar entre o sombrio e o solar, entre o que escurece e o que ilumina. Um percurso poético por várias características do sal.

Dois conjuntos de fotografias apresentam duas formas diferentes e originais de olhar para o mesmo espaço. Duas formas diferentes de expressão sobre o mesmo tema, usando o mesmo suporte. Com caminhos e visões diferentes, dois olhares especiais e interessantes que ajudam a repensar o espaço e que podem ser vistos na Casa das Artes de Tavira até 1 de Agosto, todos os dias, das 21.30 até às 00.30 horas. E depois, outras surpresas se seguirão. Mais informações estão disponíveis em: http://www.acasadasartes.com.

Paula Ferro

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Bartolomeu dos Santos, entrevista, Postal do Algarve, 2008.02.14

“Toda a arte traz o cunho da sua época histórica, mas a grande arte é aquela em que esse cunho está mais profundamente marcado”
Henri Matisse

Bartolomeu dos Santos nasceu em Lisboa em 1931, tendo-se interessado pelas artes desde novo. “Venho de uma família muito culta que se interessava muito particularmente pela arte. Inicialmente tencionava estudar História de Arte em França mas mudei de ideias e fui para a Escola de Belas Artes em Lisboa. Pensava tirar arquitectura, o que nunca fiz, em vez disso matriculei-me em escultura para no ano seguinte me inscrever no curso de pintura. Ao fim de quatro anos já não suportava o ensino na Escola de Belas Artes e decidi ir estudar para o estrangeiro como fizeram muitos outros artistas da minha geração”, conta o artista ao POSTAL do ALGARVE, “hoje é comum estudar em Portugal porque as condições de trabalho e de ensino são diferentes das do tempo do fascismo. Existe realmente uma abertura que não havia quando eu era estudante. Hoje é possível viver em Portugal, estudar aqui e depois fazer, o que é comum, um mestrado no estrangeiro. E já não haver fronteiras faz toda a diferença.

Em 1956 parti para Londres, pois estava mais interessado na arte inglesa da época do que na arte francesa. Tinha a sensação que Londres viria a ser um grande centro artístico em detrimento de Paris”.
Estudou na Slade School of Fine Art com Anthony Gross. “A tradição de longa data em Portugal era ir estudar para Paris mas, de facto, nos anos 50 Londres começava a impor-se já como um centro de arte alternativo e, assim, antes de mim já vários artistas tinham partido para Inglaterra. Paula Rego e João Cutileiro precederam-me e o Jorge Vieira precedeu-nos a todos na ‘Slade School’. Fui encontrar na Inglaterra a liberdade que me faltava em Portugal, bem como, um processo de análise que eu desconhecia no meu país. A minha intenção inicial era estudar pintura mas rapidamente me sugeriram ir trabalhar no atelier de gravura. O meu professor disse-me ‘você vai fazer gravura porque os seus trabalhos têm esse carácter’, e assim passei a dedicar-me à gravura durante muitos anos. É de facto uma das minhas técnicas preferidas”.

Teve a sua primeira exposição individual na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa em 59. Desde então expôs individualmente em Lisboa, Porto, Tavira, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Braga, Rotterdam, Umea, Frankfurt, Heidelberg, Mainz, Wiesbaden, Wildeshausen, Detroit, Madison, Oxford, Londres, Glasgow, Sheffield, Johanesburg, Cape Town, Tóquio, Paris, Antuérpia, Cidade do México, Islamabad, Karachi, Lahore Luxemburg, Granada, Macau e Rabat. Teve uma retrospectiva na Fundação Gulbenkian e em 2001 duas retrospectivas, uma no Centro Cultural de Cascais e outra em Londres na galeria do London Institute.

Actualmente, tem trabalhos incluídos na exposição “Novas Aquisições de Gravura”, no Museu Britânico, museu onde a sua obra está largamente representada. Entre outras colecções públicas, Bartolomeu está representado no museu Victoria & Albert, em Londres, no museu Ashmolean em Oxford, no museu Fitzwilliam em Cambridge, bem como, no Museu de Arte Moderna em Nova Iorque e na Biblioteca Nacional de Paris.

“Durante 30 anos fiz praticamente só gravura e arte pública”, afirma. Mas Bartolomeu dos Santos não se considera apenas um gravador. “Sou um artista que fez gravura durante muitos anos mas actualmente também pinto, faço objectos em forma de caixa e dedico-me à arte pública, sendo esta, no entanto, raramente mencionada”.

Dentro da arte pública mais recente podemos encontrar obras deste artista em diversos lugares. Em Portugal: no Metropolitano de Lisboa, na Estação de Entre Campos, esta é revestida de painéis a pedra gravada. Podemos também encontrar decorações em azulejo de vastas dimensões nas estações da Reboleira e no Pragal, no Crown Plaza Hotel no Funchal, bem como no Edifício da Lotacor em Ponta Delgada. Em Grândola fez um mural em azulejo comemorativo do 25 de Abril. No estrangeiro podemos encontrar pedras gravadas em Tóquio, na estação Neonbashi e no Museu de Macau dois painéis também em pedra gravada. “A arte pública é uma arte que é acessível a todos” explica, “a pessoa não tem que ir a um museu ou a uma galeria para poder apreciar uma obra de arte. Mas a colaboração entre o artista e o arquitecto é fundamental. Para mim é uma forma ideal de arte pela sua acessibilidade. É também uma das formas mais antigas de criação artística”.

O seu atelier em Tavira está cheio de trabalhos em diversos materiais e diversas técnicas. “Se bem que o atelier tenha sido concebido como atelier de gravura, hoje pinto mais do que faço gravura, hoje pinto mais do que faço gravura e também faço caixas, desenhos, ilustrações… Por exemplo, ilustrei muitas obras de Saramago, bem como, capas de livros”. Também fez ilustrações para o “Arcanjo Negro”, de Aquilino Ribeiro (Livraria Bertrand), “Até ao Fim”, de Virgílio Ferreira (Bertrand Editora), além de capas de livros, de António Tabbuchi (ed. Picador), e Fernando Pessoa (Penguin). “Acho que o artista não se deve restringir no seu trabalho. Deve ter um sentido humanista da arte e estar aberto ao mundo que o rodeia. Veja por exemplo o caso da Paula Rego que, sendo pintora se dedica à gravura há muitos anos e é tão natural na gravura como o é na pintura ou no desenho. E falando de desenho, há muitos artistas que se esquecem que o desenho é fundamental e que alternativamente acreditam que o computador tudo resolve.

O computador também é importante, é um novo instrumento que se deve usar mas que só por si não elimina técnicas anteriores. Repare bem no caso da gravura. As técnicas da gravura foram inventadas primeiro por artesãos e depois por técnicos com o fi m de reproduzir uma imagem melhor e mais depressa. E conforme iam aparecendo as técnicas mais efi cientes, as técnicas anteriores deixavam de estar em uso comercial mas continuavam a ser usadas por artistas. Por isso técnicas como o buril, a gravura em madeira, a água-forte e a litografia chegaram ao nosso tempo. E no século passado apareceu a serigrafi a e agora o computador, que muitos artistas já estão a usar. Como por exemplo, veja o caso de Richard Hamilton, um dos grandes da Pop Art, que tendo começado a sua obra gráfi ca com água-forte, passou depois a usar a serigrafia e hoje o seu trabalho reflecte o uso que ele faz do computador”.

Para Bartolomeu dos Santos o desenho é a base de tudo. “Não podemos dizer, como já tenho ouvido, que o desenho já não é necessário. No fundo é a conjunção do olhar, do cérebro e da mão que, neste caso nos levam a aprender a ver. Hoje, temos muitas técnicas novas que, como já disse, não invalidam as antigas. O que é preciso é saber usá-las e compreender as possibilidades que elas nos oferecem”.

A arte abrange muitas áreas. “Não nos esqueçamos que a criação artística não se restringe unicamente às artes plásticas, mas que a música, o cinema, a literatura, a fotografia e arquitectura são formas de criação com muitos pontos em comum. Pense nas fontes e referências que todos os criadores vão buscar. Não há, de facto, obras totalmente originais. Brueghel na sua juventude tinha como referência Hyeronimus Bosch, as fontes e referências na obra de Picasso são numerosas. Beethoven foi influenciado por Mozart e hoje em dia muitos pintores sofrem uma grande influência do graffitti que, de facto, é uma forma de arte pública”.

Quanto à prática, “esta é fundamental para qualquer criador e tem que ser constante. Na criação artística julgo não poder haver grandes interrupções, pois isso seria como que começar do zero cada vez que se recomeça. E a prática dá-nos conhecimento e esse conhecimento por sua vez aumenta-nos a percepção do mundo que nos rodeia.
Quando ouvi pela primeira vez os últimos quartetos de Beethoven ou o ‘Tristão e Isolda’, era muito novo e não os compreendi. E no entanto hoje fazem parte da lista dos meus favoritos. E quem diz arte clássica, diz arte contemporânea. Repare que há amadores do jazz tradicional que não entendem as formas que este tomou no nosso tempo. Também gosto de olhar para uma obra para a desconstruir até ir às suas origens. Pense na metáfora que é a desconstrução do Hal (computador) pelo astronauta no ‘2001’ do Kubrick”.

Bartolomeu dos Santos foi professor na Slade School of Fine Art e professor visitante em muitas Escolas de Belas Artes britânicas, Universidade de Wisconsin em Madison (E.U.A.), Escola de Belas Artes de Umea (Suécia), National College of Art, Lahore (Paquistão) e Academia de Arte de Macau. Há já vários anos que não lecciona de modo convencional, muito embora conversar com este Mestre, seja só por si, um momento de aprendizagem.

Quanto ao ensino, diz Bartolomeu, “durante os 35 anos que ensinei na Slade School trabalhei sempre ao lado dos estudantes e quando trabalhava em gravura as minhas mãos estavam tão sujas de tinta quanto as deles. No meu departamento tinha vários assistentes mas era condição ‘sine qua non’ que, além de ensinarem, estes deviam também fazer o seu trabalho. 
Era uma forma de ensino com espírito de ofi cina e que mais tarde se haveria de repercutir em outras escolas inglesas e não só. No dia em que os novos estudantes chegavam eu reunia-os todos e dizia-lhes: ‘Olhem, estamos todos no mesmo barco, a única diferença é que eu tenho mais experiência do que vocês, mas alguns irão mais longe do que eu. A linha de partida é aqui’. Praticamente toda a minha obra gravada foi feita na Escola com os estudantes. Eles viam o que eu fazia, viam os erros que eu cometia, bem como os bons resultados que eu obtinha. E mutuamente discutíamos os nossos trabalhos. Não era o ensino das 10 às 5, com hora para o almoço como em Portugal. Não era uma burocracia, era uma prática. A diferença é que um ensino dominado pela burocracia nos restringe os movimentos e, por consequência, a imaginação”.

 Discutir e questionar é fundamental Bartolomeu gostou de ser professor e para ele o mais importante “é a relação com os estudantes que são os artistas do futuro, o não estar isolado do que está a acontecer. Discutir o que se está a fazer. Entre estar sozinho no atelier ou estar rodeado de jovens artistas, prefiro a segunda escolha. Mas isto só no campo da gravura porque no caso da pintura, esta, pela sua natureza, obriga-nos a estar sozinhos. Não pode haver interferências exteriores. Ensinei em Inglaterra durante 35 anos e, de certo modo, modifiquei a atitude para com o ensino da gravura naquele país. De todos os estudantes que trabalharam comigo e, que ao longo dos anos somaram quase 500, alguns desapareceram, muitos são hoje artistas reconhecidos, outros dirigem departamentos e escolas de Belas Artes. E assim, o meu processo de ensino, anti-burocrático e humanista, espalhou-se. Recordo-me também que em exames de admissão, candidatos com trabalhos de um acabamento impecável mas que se adivinhava uma monotonia de ideias, eram sempre preteridos em favor de outros que não se importavam tanto com a obra bem acabada e limpa mas sim com o espírito crítico que se lhe adivinhava. Muitas vezes eram trabalhos de aspecto sujo, rasgados, riscados, colados mas em que se sentia o poder das ideias”.

Nem tudo o que sai das mãos de um artista é uma obra de arte. “Nem tudo o que o artista cria é obra de qualidade. Cerca de um quarto dos trabalhos que eu fiz, pus de parte ou destruí e há outros que só muitos anos depois reconheço não terem a qualidade inicialmente desejada. É uma questão de perspectiva”, porque a tendência natural do ser humano é para evoluir. “Há também outra coisa interessante que é eu olhar para trabalhos passados, e já não me reconhecer neles, como se tivessem sido feitos por outra pessoa a quem gostaria de ser apresentado”.

Sobre o seu projecto para a criação de um Centro de Gravura e Desenho em Tavira apenas disse: “o projecto está agora em curso e por isso não quero entrar agora em grandes pormenores sobre ele. Este baseia-se na minha oferta à Câmara de Tavira de cerca de 3400 obras de gravura na maior parte da minha autoria mas em que se inclui também um importante núcleo de gravuras e desenhos, tanto de artistas portugueses como estrangeiros. O Centro será essencialmente constituído por uma galeria, uma área de estudo e consulta, uma biblioteca, bem como os necessários serviços administrativos. Não se trata de uma Casa Museu, mas sim de um Centro que se pretende vivo e activo, e onde umas três ou quatro vezes por ano haverão exposições baseadas na colecção, não estando, no entanto, posta de parte a ideia de levar a cabo exposições de artistas não representados no Centro. O Centro incluirá também uma importante colecção de postais antigos bem como uma outra de cartazes. O seu todo ficará propriedade da Câmara Municipal de Tavira”.

Entrevista e fotografia de Paula Ferro